Fiquei ansioso pra ver um show do Nuvens, que foi muito bão. E em seguida, pra ouvir o EP do Nuvens. Até que saiu em 25 de fevereiro (baixe aqui ou ouça mais abaixo), e eu quis escrever isso aqui mas enrolei até hoje.
Depois desse melodrama todo você pode até achar que vou só rasgar seda. Quase isso; vou começar falando mal. Um problema em todas as canções é de pronúncia: eles escrevem em inglês, e escrevem bem, mas pecam na fonética. Depois que lhe apresentei o som do Lê Almeida, Janjão, que também virou fã, me disse que pensa em começar a escrever em português daqui pra frente. Senão, há que se prestar mais atenção nisso e ouvir um pouco de Wilco que ajuda. Ou não, vai saber.
O EP começa com um grande acerto, “And Curses”. Minha preferida, o título é uma referência computeira, mas a letra é mais sobre relações pós-modernas e seus pecados (curses) que sobre linhas de código mesmo. No entanto o que encanta mesmo é a forma e o arranjo da canção. Uma microfonia de guitarra com um som de prato invertido, uma progressão de acordes mais anosnoventa impossível, uma linha de guitarra quase Pavement, estrofe. Ponte meio pós-punk acumula um pouco de tensão, volta pra estrofe. Refrão (que só aparece uma vez), mais tensão e então uma eufórica variação da introdução. Outra progressão instrumental, mais suave e com um quê de anosoitenta (me lembrou Legião Urbana não sei da onde), querendo voltar pro começo, mas desembocando numa estrofe sobre outra progressão, essa mais pesada. (Aqui aparece um problema que me incomoda, que é a acentuação de regret fora da sílaba tônica.) Nessa hora você pensa que a música vai acabar, mas aí vem mais uma seção instrumental, essa mais delirante, noise bem característico. Esse monte de seções diferentes pode parecer uma colagem sem sentido, mas o arranjo é tão bom que no fundo é uma coisa só. De novo parece que vai acabar, e a introdução volta de novo. (Essa coisa de quase acabar e voltar aparece em outras canções também, mas não chega a ser chavão.) E depois aquela ponte lá do início, super tensa, termina a canção, solta no ar.
“The Spiritual Flowers Under The Spiritual Sun”, uma instrumental. Bem tipo Sonic Youth na fase com Jim O'Rourke. Narrativa bem pensada, dessa vez as seções são menos contrastantes, sem repetições, andando pra frente. Como o trajeto do sol sobre as flores num dia de primavera. Pra quem acha que rock instrumental é só trilha sonora, aqui tem um bom contraexemplo. Um poema muito bonito.
“Ground” é a única música do EP que não gosto tanto. De primeira achei que havia um problema harmônico, tensões que deveriam ser evitadas ou algo do tipo. Só analisando no papel pra saber, mas depois cheguei à conclusão de que não está tão bem tocada como as outras; não é a formação padrão da banda. Ao vivo soa melhor. Nesse caso também achei as seções mais desconexas. Também parece haver muitas mudanças de centro harmônico. Acredito que a banda tenha mantido essa por uma relação afetiva, tanto que é a que escolheram pra lançar videoclipe. Até tem alguns riffs legais. E lá pro final tem uma seção psicodélica que tem sua beleza.
“Lost Elephants”, a mais eufórica em qualquer apresentação da banda, finaliza o EP com tensão. Mais acelerada, mais punk, com direito a coro gritado. Um desespero angustiado dessa vida maluca. É a canção mais direta, mais simples, mais intensa, mas igualmente bem tocada e elaborada. Pra dar vontade de ouvir tudo de novo.